
Entrevista: Cristiano Jomar Costa Campidelli, O Coordenador-Geral de Controle de Serviços e Produtos da Polícia Federal
O senhor assumiu a Coordenação-Geral da Segurança Privada há pouco mais de um ano. Qual a sua visão do setor da segurança privada naquele momento e qual o cenário encontrado?
Cheguei à Coordenação-Geral de Controle de Serviços e Produtos da Diretoria de Polícia Administrativa da Polícia Federal (CGCSP/DPA/PF), no dia 7 de fevereiro de 2023.
Naquela oportunidade, minha apresentação aconteceu às 9h da manhã e, minutos depois, o diretor de Polícia Administrativa me convocou para uma reunião com cerca de 20 (vinte) representantes do setor de Segurança Privada, o que me permitiu conhecer vários dos principais representantes do segmento no Brasil, logo no meu primeiro dia na Coordenação-Geral e de uma só vez.
A visão inicial era de um setor forte e extremamente importante para o País, formado por profissionais e empresários de alto nível, mas que precisava de inúmeras vitórias, principalmente nos campos normativo, tecnológico e no combate à clandestinidade.
O que mudou neste último ano? Quais projetos e medidas adotados por sua coordenação? Sabemos que o senhor editou a nova Portaria (18.045/23), que regulamenta a segurança privada, depois de 10 anos da anterior. Quais os efeitos práticos estão sendo alcançados com essa portaria?
A Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983, que normatizou o setor de segurança privada, completou 41 (quarenta e um anos) e precisava ser substituída por uma legislação mais atual, que contemplasse as novas realidades enfrentadas pela segurança privada e que concedesse à Polícia Federal melhores instrumentos de controle e fiscalização para um combate mais efetivo à clandestinidade.
A aprovação do Estatuto da Segurança Privada se mostrou a principal solução para modernizar as normas que regulamentam o setor, razão pela qual a Polícia Federal se empenhou na sua aprovação, em conjunto com diversos outros atores do setor de segurança privada, entre os quais a Fenavist, que exerceu papel de destaque.
Não se podia, contudo, simplesmente cruzar os braços e aguardar a aprovação do Estatuto da Segurança Privada.
Era preciso continuar agindo e evoluindo, dentro dos limites possíveis, até que fosse aprovada e regulamentada a nova legislação, por isso houve a decisão estratégica de publicar a Portaria nº 18.045, de 17 de abril de 2023, que embora ainda não seja o ideal para o setor, era a regulamentação possível de ser editada no momento, observados os limites ainda impostos pela Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983.
Com a nova portaria, houve uma série de evoluções importantes, tais como: a exigência de cassetes fechados para o reabastecimento de caixas eletrônicos, em locais onde há circulação de pessoas; equipes completas para a manutenção de caixas eletrônicos, quando houver abertura do cofre; exigência de câmeras de alta resolução nas agências bancárias, com regulamentação dos locais de instalação e respectivas dimensões de imagens; e previsão de regulamentação dos cursos de formação de vigilantes, extensões e reciclagens por meio de portaria do coordenador-geral, que foi publicada em 5 de agosto de 2024.
Além disso, houve empenho da Polícia Federal e das entidades representativas do setor de segurança privada para a recriação da Comissão Consultiva para Assuntos de Segurança Privada (CCASP), a qual foi instituída pela Portaria MJSP nº 493, de 26 de setembro de 2023, presidida pela Polícia Federal e composta por representantes das seguintes entidades: ABCFAV; ANSEGTV; Contrasp; Febraban; Fenaval; e Fenavist.
Adotamos, ainda, uma administração aberta e participativa, com escuta ativa das entidades representativas do setor, participação nos principais eventos do segmento e visitas às empresas e instituições, principalmente para conhecer melhor as questões logísticas e operacionais, bem como as realidades e dificuldades enfrentadas por aqueles que atuam na segurança privada, tudo para melhor controlar, regulamentar e fiscalizar.
Com a crescente clandestinidade na segurança privada, que muito tem prejudicado as empresas devidamente legalizadas no País, com empresas praticando preços inexequíveis, como a Polícia Federal tem atuado para combater com mais rigor essas questões?
É fundamental registrar que a vigilância patrimonial é aquela realizada por vigilantes contratados por empresa especializada autorizada pela Polícia Federal, podendo ser armada ou desarmada, conforme o contrato celebrado entre o tomador e o fornecedor do serviço.
A contratação de vigias, porteiros, apoio, prevenção de perdas, fiscais ou outro nome que o equivalha para realizar atividade típica de vigilante é ilegal.
O custo menor é o argumento utilizado por diversas entidades privadas e públicas para tentarem justificar o seu desvio para a clandestinidade, o que inarredavelmente cobra um preço muito alto da parcela da sociedade brasileira menos abastada, desprovida de boas condições econômicas, geralmente formada por pessoas da periferia, com pouco estudo, pretas, pardas ou da comunidade LGBTQIAPN+, que acabam se tornando vítimas de agressões promovidas por pessoas que, mesmo desarmadas, atuam como se vigilantes fossem, à margem da lei, sem formação adequada e fazendo uso das mais diversas nomenclaturas, tais como as mencionadas no parágrafo anterior.
Os exemplos são muitos, tais como os casos:
i) do assassinato de João Alberto Silveira Freitas, em uma unidade do Carrefour, em Porto Alegre/RS, no dia 19/11/2020, por dois homens desarmados que faziam a segurança clandestina do local;
ii) da tortura promovida contra um casal negro, em outra unidade do Grupo Carrefour, em Salvador/BA, no dia 05/05/2023, supostamente por seguranças clandestinos, não havendo notícia de que estivessem armados;
iii) das agressões a uma jovem de 28 anos, em uma boate em Cascavel/PR, no dia 28/05/2023, a qual foi socada e chutada na rua, por seguranças clandestinos, que a abandonaram no chão, onde veio a ser atropelada, arrastada por 70 metros e morreu; e
iv) do espancamento coletivo promovido por seguranças clandestinos desarmados, em Mendes Pimentel/MG, na noite de 25 para 26/08/2023, que levou à internação de diversas vítimas, algumas delas agredidas com chutes violentos na cabeça por agressores calçando coturnos.
Em todos esses casos, as vítimas eram pobres, pretas ou pardas e foram agredidas por seguranças clandestinos, desarmados, acobertados por nomes pomposos como prevenção de perdas, apoio, vigias, mas que de fato exerciam atividade típica de vigilante, sem, contudo, terem se submetido ao curso de formação ou reciclagem bienal, muito menos ao controle e à fiscalização da Polícia Federal, sem qualquer vínculo com empresa regular perante esta Instituição policial.
Diante da gravidade dos fatos, atenta ao necessário caráter preventivo de suas ações, a Polícia Federal deu início à Ação Nacional para Prevenção à Segurança Clandestina e Preservação de Vidas, que consistiu no envio de ofícios para todos os prefeitos municipais brasileiros, os 27 comandantes-gerais das Polícias Militares, os 27 comandantes-gerais dos Corpos de Bombeiros Militares e a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), solicitando a adoção de medidas cabíveis, no âmbito de suas atuações, para minimizar os riscos de utilização de segurança clandestina, especialmente em shoppings, supermercados, casas de shows e eventos, boates e condomínios.
Além disso, a Polícia Federal segue realizando, anualmente e em todo o Território Nacional, de forma coordenada e simultânea, a Operação Segurança Legal que, só no ano de 2023, empregou um total 446 policiais federais e fiscalizou 461 locais. Neste ano de 2024, a Operação Segurança Legal empregou 460 policiais federais e fiscalizou 500 locais.
Essas ações continuam sendo realizadas pela Polícia Federal, periodicamente, por meio de operações policiais locais e regionais, levadas a efeito por suas 27 Superintendências Regionais e 96 Delegacias descentralizadas.
O senhor foi um dos grandes entusiastas da aprovação do novo Estatuto da Segurança Privada e das Instituições Financeiras. Em sua opinião, quais os efeitos imediatos na atuação da PF com a nova lei? O que muda?
Havia uma clara necessidade de aprovação do Estatuto da Segurança Privada, que tramitava há cerca de quinze anos no Congresso Nacional, se encontrava no Senado desde 2016 e estava sendo objeto de esforço por parte da Polícia Federal e de outros atores do setor de segurança privada para a sua aprovação.
O estatuto prevê ferramentas adequadas para a Polícia Federal melhor controlar e fiscalizar o setor, com a possibilidade de imposição de multas aos clandestinos e aos seus contratantes, além de, em alguns casos, possibilitar até mesmo a prisão dos clandestinos.
Além disso, o aludido estatuto acaba com a celeuma criada por parte do Poder Judiciário, pois explicitamente afirma que a atividade de segurança privada no Brasil, armada ou desarmada, depende de autorização da Polícia Federal para funcionar e deve ser por ela fiscalizada.
Tais previsões trarão maior efetividade às fiscalizações realizadas pela Polícia Federal, uma vez que o encerramento das atividades clandestinas virá acompanhado de multas severas e, até mesmo, prisão nos casos mais graves, medidas que irão desestimular a clandestinidade e terão importante efeito dissuasório.
Após quase uma década perdendo postos de trabalho, com uma redução de quase 200 mil vigilantes em todo o País, como o senhor define o atual momento da segurança privada no Brasil? O senhor acredita que existe possibilidade de retomada?
A redução do número de vigilantes decorreu, em grande parte, do aumento da clandestinidade, havendo informações de que, para cada vigilante regular, há entre três ou quatro clandestinos.
Além disso, com o surgimento de novas tecnologias, tais como o Pix, houve uma expressiva diminuição na circulação de dinheiro físico, medida que vem impactando significativa e negativamente a atividade de transporte de valores.
Em contrapartida, a aprovação do Estatuto da Segurança Privada deixa claro que mesmo a segurança desarmada é controlada e fiscalizada pela Polícia Federal e traz ferramentas mais efetivas para o combate à clandestinidade, o que fará com que o número de vagas formais no setor aumente significativamente, principalmente na atividade de vigilância patrimonial.
Há ainda outras realidades, tais como o incremento da violência urbana e da circulação de cargas de alto valor agregado, que devem levar ao aumento do número de vagas, principalmente nas atividades de segurança pessoal e escolta armada.
Além disso, a melhora econômica do país incrementou o setor que viu o número de vigilantes com vínculos formais crescer significativamente em 2023, depois de alguns anos de quedas consecutivas.
Como o senhor vê o futuro da atividade no País?
Eu vejo um futuro promissor para a Segurança Privada no Brasil!
Há uma convergência positiva de forças, tanto do serviço público, representado pela Polícia Federal, quanto das entidades privadas, formadas pelos segmentos patronal e laboral, para construir uma segurança privada cada vez maior e melhor, o que fica muito claro diante das discussões em alto nível no âmbito da CCASP e da explícita vontade de seus integrantes em elevar a qualidade dos serviços prestados e melhorar as condições de trabalho dos profissionais.
O desarquivamento do Estatuto da Segurança privada, no final do ano passado, e a sua aprovação recente são vitórias que precisam ser comemoradas, pois concretizam a entrega à segurança privada de uma nova e moderna legislação.
Para encerrar, e mais uma vez agradecendo a sua participação, poderia deixar uma mensagem para o nosso segmento?
É fundamental que a Fenavist, assim como as demais entidades representativas do setor de segurança privada, tenham a certeza de que a Polícia Federal não é apenas um órgão controlador, regulador e fiscalizador, mas também uma instituição que possui como missão o estímulo ao crescimento das empresas que atuam no setor de segurança privada, a melhora contínua da qualidade dos serviços prestados, a preservação da dignidade da pessoa humana, o aprimoramento técnico dos vigilantes e a melhora das suas condições de segurança e trabalho.
Se por um lado a Polícia é considerada a presença mais incômoda, por outro é também a ausência mais sentida.
Assim, sabedores de nossa missão enquanto servidores públicos, reafirmo o nosso compromisso de entregar ao setor de segurança privada sempre o nosso melhor trabalho possível, com muita dedicação e responsabilidade, ouvindo as dores do setor e pautando nossa atuação com base na Constituição da República e nas leis.
Fonte: Dr. Campidelli / Revista Fenavist
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